A culpa não é da Inteligência ArtificialDaoura

Apesar de não muito novo, o assunto Inteligência Artificial tem ganhado destaque nos últimos anos, tanto positivo quanto negativo. Como exemplo, há uma ideia de que, à medida que a máquina aprenda a “pensar” como humanos, ela pode, num futuro próximo, tomar o lugar dos humanos em posições de trabalho que hoje empregam milhões de pessoas ao redor do mundo. Mas será que ela é mesmo a grande culpada?

O conceito e as técnicas de Inteligência Artificial não são tão novos, pelo menos para a idade da computação. Na década de 1950, houve um grande entusiasmo com as pesquisas científicas que aliaram a matemática com técnicas computacionais, para ensinar máquinas a tomar decisões e inferir coisas a partir daquilo que aprendiam. Várias técnicas foram desenvolvidas para que esse feito fosse possível, mas não se tinha, à época, poder de processamento dos computadores para se fazer pesados cálculos, e nem uma grande quantidade de dados disponível, o que manteve o assunto frio no meio acadêmico por anos, e bem longe do mundo empresarial e industrial.

No entanto, nos últimos cinco anos, esse cenário mudou completamente. Atingimos uma capacidade computacional enorme a ponto de permitir que esses cálculos pesados, necessários para que a máquina “aprenda” padrões, pudessem ser realizados em segundos. Também nos deparamos com uma quantidade enorme de dados disponível, o que serviu de matéria-prima para o aprendizado das máquinas. Esses fatos foram a faísca necessária para que grandes empresas de tecnologia, como a Google e o Facebook, voltassem os olhos para o assunto, e desenvolvessem técnicas e produtos que tornassem acessível e viável, mercadologicamente, a Inteligência Artificial. Por isso hoje falamos tanto dela.

A verdade é que a IA é extremamente útil para tornar o computador nosso aliado na análise e predição de problemas e soluções, dos mais simples aos mais complexos. Com essas técnicas, é possível ao computador, por exemplo, detectar câncer a partir da análise de imagens. Para exercer tal atividade, um grupo de médicos humanos classifica milhares de imagens, dizendo aquilo que é e o que não é câncer, o que faz os computadores criarem um modelo matemático que os permita dizer, para uma nova imagem, qual a probabilidade de ela indicar um câncer ou não.

Outros exemplos podem ser encontrados em diferentes setores, como na gestão de serviços urbanos, na filtragem de e-mails indesejados, nos chatbots (robôs de atendimento via chat). As potenciais aplicações de Inteligência Artificial são infinitas e podem melhorar muito a produtividade e eficácia de processos, produtos e serviços. A questão são os limites éticos dessa nossa relação com as máquinas.

Pego o exemplo do desenvolvimento da Química. Com os mesmos conhecimentos elementares, podemos produzir remédios que salvam vidas, mas também podemos produzir armas químicas que destroem vidas. Ou com a própria computação, que nos traz tanto as maravilhas do mundo digital como também as ameaças cibernéticas e a perda de privacidade. De maneira similar, a grande questão da IA está em sua correta aplicação, e não no desenvolvimento de suas técnicas em si.

Por isso, a ética computacional aqui é fator essencial. Devemos apostar no desenvolvimento deste ramo da computação, que pode nos trazer muitos avanços em termos de produção e qualidade de vida, mas precisamos determinar qual é o limite ético em termos de aplicação desse conhecimento. Queremos máquinas que nos ajudem a detectar problemas urbanos rapidamente, e de maneira proativa, mas não queremos máquinas que identifiquem a orientação sexual das pessoas, baseada na análise de imagens de suas faces, e ajudem pessoas mal intencionadas a agir de maneira destrutiva e contra os direitos humanos. Não precisamos disso.

Poderia descrever n outros exemplos, positivos e negativos, de aplicações da Inteligência Artificial, mas o ponto aqui é a necessidade de definirmos, enquanto sociedade, qual o valor queremos extrair dessas técnicas todas, que por essência não fazem mal algum. É extremamente necessário o estabelecimento de legislações a nível mundial para ditar essas práticas, tal como vemos com as ciências médicas, por exemplo.

Independentemente do destino que a Inteligência Artificial tomar a partir daqui, não podemos colocar a culpa nela. As decisões, ao fim e ao cabo, são sempre humanas, e é com elas que devemos nos preocupar. E mesmo que, eventualmente, uma aplicação possa, por exemplo, acarretar em substituição de empregos humanos, devemos analisar quais as ações tomamos agora para que preparemos os trabalhadores afetados para conquistarem novos empregos que vão surgir a partir disso.

Tudo é uma questão de evolução e aprimoramento, e certamente podemos viver num mundo em que a Inteligência Artificial nos traga mais comodidade, bem-estar e qualidade de vida. Só não vamos culpá-la por decisões que os interessados dessas más aplicações tomarem. Essas decisões são exclusivamente humanas.