Debate sobre a Reforma da Previdência na Internet: a emoção prevalece sobre a razão
Não é novidade que o Brasil há tempos precisa de importantes reformas estruturais, entre elas a da Previdência, nem novidade que esta última é um dos principais assuntos - senão o principal - que o país (e seus representantes) estão debatendo. Mas, e no mundo digital, o que a opinião pública têm falado sobre a tão falada Reforma da Previdência?
A verdade é que se tem falado sobre o tema de maneira politizada e sem um debate profundo e qualificado sobre suas propostas de mudanças e os impactos que ela trará na vida das pessoas. Essa é a principal conclusão a que a Daoura chegou ao analisar texto dos primeiros 100 dias do ano sobre a reforma nas redes sociais e em notícias.
Debate político versus debate técnico
A primeira avaliação foi a identificação de binômios (conjunto de duas palavras relacionadas) dos textos capturados sobre o tema e separá-los em dois grupos: os que estão relacionados a debates políticos e os que estão relacionados a debates técnicos sobre a reforma, que de fato trazem opiniões e argumentos sobre os itens da proposta.
A Figura 1 mostra esses dois grupos e seus respectivos binômios separados pelo sentimento que os textos, em média, expressam. Entende-se por sentimento Negativo, Neutro ou Positivo uma análise computacional que identifica o sentimento expressado em um determinado texto a partir da análise das palavras utilizadas e de suas combinações e posições no texto.
Não foi possível identificar na amostra binômios relevantes cujos textos, em média, eram interpretados como positivo. É possível notar a concentração de textos primeiro do lado do grupo político e segundo no eixo de sentimento “negativo”.
O binômio “contra a reforma”, apesar de parecer significar falta de apoio à proposta, na verdade significa que o sentimento expressado naquele texto foi negativo, mostrando que essas duas análises não podem ser feitas de maneira correlata.
A principal conclusão aqui é a de que o debate, majoritariamente político, está gerando sentimento negativo na opinião pública na Internet e uma considerável polarização sobre os que acreditam que a reforma tenha de ser feita e aqueles que tem dúvidas ou são explicitamente contra ela.
Palavras associadas ao tema
Quando olhamos para uma nuvem de palavras com as mais recorrentes e relevantes para os textos sobre a reforma da previdência, nota-se a falta de substancialidade nas discussões, de palavras que de fato qualifiquem e orientem o debate mais técnico sobre a reforma, seja sobre suas propostas de mudança e sobre seus impactos. Há muito pouco, o que mostra a falta de objetividade e qualidade do debate sobre o tema na Internet.
Diferenças regionais no debate
O mapa da Figura 3 ilustra as palavras mais recorrentemente encontradas para textos oriundos de cada uma das regiões do país, seus respectivos sentimentos médios e a relevância daquela determinada palavra para a região. É possível ver no mapa que as regiões Norte e Nordeste a manifestação negativa de associados a “trabalhadores” é relevante, gerando inclusive convocações de atos contra a reforma.
Outra palavra que aparece em quase todas as regiões é “militares” que faz referência à reforma da previdência deste setor, que no Sudeste é bastante relevante e debatido de forma negativa.
Variação do sentimento dos textos no tempo
Por fim, para entender a diferença entre os sentimentos expressos em textos de redes sociais e de notícias, separamos um gráfico de variação de índice de sentimento no tempo, ao longo do intervalo analisado, e vimos que, como esperado, as notícias variam dentro de um intervalo de neutralidade de sentimento, enquanto que a média de sentimento para textos das redes sociais flutua num eixo de negatividade, mostrando exatamente onde está se está gerando o sentimento negativo acerca do tema na opinião pública digital.
Conclusões e possíveis caminhos
A opinião pública na Internet ainda está tentando entender os grandes impactos dessa reforma. É nítido que há argumentos e preocupações, e que isso está gerando um sentimento negativo nas pessoas em relação ao tema. É também nítido que, apesar da negatividade, há uma necessidade de se entender com clareza a proposta e mitigar todos as iniquidades que ela pode trazer se não considerar todos os já atuais desequilíbrios do sistema corrente.
Comunicar a proposta de maneira clara e na linguagem popular, para que os cidadãos de todas as regiões do Brasil entendam, principalmente naquelas em que há maior resistência à proposta, é crucial para que o debate seja de qualidade e para que a reforma aprovada beneficie o maior número possível de brasileiros, se não todos, e garanta a sustentabilidade do sistema, destravando o sistema econômico brasileiro e trazendo mais qualidade de vida para seus cidadãos.
Além da comunicação, é essencial que se crie nos espaços públicos virtuais formas de interação qualificada, na qual agentes governamentais, como o Poder Executivo e Legislativo, promovam nas redes sociais debates mais orientados à proposta em si, a partir de suas próprias comunicações públicas sobre o tema, criando enquetes e outras dinâmicas que de fato promovam a participação popular acerca do tema.
A Gestão Participativa, nesse e em qualquer outro caso, não é só uma forma de o governo e os legisladores promoverem suas próprias pautas em busca de capital político e eleitoral. É, principalmente, considerar a opinião pública qualificada e organizada em suas próprias decisões, de modo que estas sejam eficazes quando colocadas em prática, ou seja, reflitam a vontade da população combinada com as necessidades e aspectos técnicos da política que se está sendo criada. Se isso não for feito, o risco de se colocar em prática uma reforma que aumentará o custo político dos tomadores de decisão certamente aumenta, de forma a se ter o efeito contrário ao esperado.
Seja na Internet ou na vida real, a reforma da previdência é uma importante preocupação das pessoas no Brasil e deve ser cuidadosamente considerada e comunicada pelos representantes do povo no governo. Ouvir os cidadãos e comunicar-se com eles é essencial para o êxito desse processo.
Dados da Amostra
Foi analisada uma amostra de 33 mil textos oriundos do Twitter, Facebook e notícias, publicados entre 01/01/2019 e 15/04/2019, com menções diretas ao assunto “Reforma da Previdência”.